Enrolados em jornal velho para ler o ano novo
Frangos enrolados em jornais. Na calçada da Biblioteca Nacional. Bem na esquina histórica do centro do Rio. Não eram livros para serem lidos, mas traziam histórias. Obras raras da roça, um território em extinção.
Era uma oferenda aos santos? Uma encomenda que o dono desistiu de vender? A ceia de fim de ano? Uma cria para ser engordada?
Frangos enrolados em jornais. Na calçada da Biblioteca Nacional. Bem na esquina histórica do centro do Rio. Não eram livros para serem lidos, mas traziam histórias. Obras raras da roça, um território em extinção.
Era uma oferenda aos santos? Uma encomenda que o dono desistiu de vender? A ceia de fim de ano? Uma cria para ser engordada?
Cerca de meia dúzia de pacotes de frangos, com as cabeças e os pés à mostra. Bichos empacotados. Com barbantes que prendiam os pés e as cabeças. Presos, os frangos se foram. Não contaram histórias. Nem foram saboreados na virada do ano. Teriam deixado rolar a última lágrima do ano que se foi? Lágrima de tristeza ou de sorte, com cacarejos calados.
O ar era quente e cheirava a podre. Sujeira acumulada de urina ao asfalto, restos de chuva, de poeira urbana. Quantas dívidas a pagar e missas a rezar! O ano se foi entre chuvas e tempestades. Derramou insucessos, transbordou dores. Líquidas, as certezas se foram pelas enxurradas e calaram a voz da cidade. Solitária, ela contava os últimos transeuntes. O centro ficou abandonado na virada do ano. Restaram papéis picados ao vento, dançantes como bailarinos que improvisam os passos do que vai começar.
Nas filas de embarque, os sorrisos brotavam com coragem de abrir a janela de um novo ano. E o choro embaçava o que está por vir. Gente que vai pra lá e pra cá. Gente que parte. De carro, carona, caminhão, carroça, camionete, charrete. Gente que chega ao aeroporto, ao porto, à estação rodoviária e ferroviária. Gente cansada, molhada de suor e fadiga.
O que dizer dos frangos enrolados e amassados? Que notícias nos trazem? Ou o que levaram daqui? Perderam a altivez do terreiro, os restos de comida, as minhocas pela cabeça. Perderam até a faca atravessada ao pescoço. E a pose na ceia de natal. A companhia da farofa ou simplesmente do feijão com arroz de todo dia.
Para onde terão ido? Para um lixão de periferia, abarrotado de sobras do ano que passou? Juntaram-se às flores depositadas ao mar para Iemanjá? Viraram o que o mar devolve? Os frangos partiram com 2008 e deixaram perguntas para os que ficamos. Um jornal velho para descortinar o novo...
Ninfa Parreiras
(foto: arquivo pessoal, Papagaio, MG)