O Bolo da Bebel
Ninfa Parreiras
Bebel gosta de costurar, cerzir, cortar, recortar. Palavras? Por anos, costura tecidos, cria vestidos, adorna quartos: retalhos, panos, recortes. Cortinas, saias, tapetes, casacos. Casamentos, batizados, mudanças, andanças, baladas, shows, pagodes, sambinhas de raiz: a vida por um triz. O que atravessa o coração; o que viaja no sopro do vento.
Criou os filhos, acolhe os sobrinhos e os vizinhos. Bebel é dona de casa, zelosa, companheira. Costura a vida inteira e trança por bairros distantes.
Ela mora em Bangu, sai de casa um dia da semana para viver as histórias dos livros, ler, associar... Um encontro com a literatura. Soma-se a outras pessoas, descobre as gavetas dos contos, os silêncios dos poemas. Ela interrompe os tecidos de panos, faz tecidos de palavras.
Bebel toma um ônibus, um trem, um bonde... chega à Santa Teresa. Caminha por ruas apertadas, trilhos escorregadios, dribla a vida, teima em descobrir. A vida, cheia de encantos, de palavras esquecidas.
Para uma tarde de encontros literários, ela preparou um bolo de fubá, coberto por fina camada de raspa de laranja. E uma porção de açúcar. Seu bolo ficou um encanto. Qual peça de cerâmica rebordada. Cheio de cuidados, presságios, avisos, carinhos. O bolo mel de Bebel.
Bolo e olhar: a vida em pedaços.
Ela aprecia o saborear das amigas, cada pedaço uma história. Da infância, Espírito Santo, fazendas, luares, a fantasia. De que cor é o medo? E a curiosidade? O bolo dela é multicor: verde-branco; branco-esverdeado; amarelinho; verde-amarelo, saboroso... O bolo é sua arte, sua criação, sua história: de menina, de mulher, de esposa, de mãe, de companheira, de costureira, cerzideira de casos.
Mulher do Brasil multicolorido de ruas, de casas, de costuras, de bolos, de gestos, de colheres, de talheres... Precisamos de você, Bebel, para encantar as pessoas com sua arte-menina.
(foto: arquivo pessoal, Inhotim, MG, inverno, 2009)Para a Maria Izabel, pela companhia agradável, entre livros e bolos, outono de 2010