COM FUMAÇA
Aprendi a gostar das coisas quentes, dos dias cheios de calor. Doce quente raspado no tacho, chá, sopa, caldos... A ponta da língua queimada me fazia lembrar a delícia quentinha saboreada na véspera. A infância não me larga!
Os dias de verão nos abriam as portas para as horas claras, o sol a pino, a chuva inesperada.
Também aprendi a apreciar os poucos meses de frio e de fumaça nos trópicos: a neblina da serra, o aconchego das tardes curtas. O despertar das novas páginas de um livro, as cobertas guardadas nos armários.
Há pessoas, há amigas. Há as que compartilham suas artes da cozinha: em encontros literários, bate-papos sobre livros, um cafezinho, uma geléia, um bolo... Tem acontecido assim nos Encontros Literários, em Santa Teresa. Onde nasceu a obra da Lygia Bojunga. Ora uma, ora outra, surpreende as colegas com delicados bolos feitos ponto a ponto no silêncio. Chegam o milho, a laranja, a banana, a brasilidade das histórias.
Teresa tece, Teresa entristece, qual uma moça tecelã. Teresa lê, reza, atravessa a rua. Teresa anoitece entre palavras e sonhos.
Seu bolo cheira a banana colhida no quintal, adocicada pelo tempo maduro; solta leve fumaça de frescor e derrete nas bocas famintas de afetos.
Teresa renasce, floresce, em mantas, tapetes, rendados. Teresa nascimento de laços, de entremeados, de riscados e bordados. Seus tecidos desenham sonhos, trazem versos, segredos... Palavras tecidas. Teresa nasceu e vive em Santa, no alto onde o ar sopra fresco, no alto onde cria as tramas, as manhas, as manhãs.
Para a Teresa Nascimento, tecelã dos fios e das palavras
(foto: arquivo pessoal, Castelo de Silves, Portugal, primavera 2010)