O Grande Hotel Budapeste
Ninfa Parreiras
Filme
do norte-americano Wes Anderson, O Grande Hotel Budapeste nos prende do
início ao fim. Nele, uma história mora dentro da outra. As décadas de 30, 60 e
80 do século passado nos chegam como um mergulho em abismos. Uma sucessão de
sinestesias. Cenas assustadoras se repetem como a constrangedora travessia de
trem no campo de cevada na neve. O uso de cores antigas, desbotadas, alternado
com tons cinzas e a neve do exterior. Quando muda o tempo histórico, as cores e
as vestimentas mudam também. Uma provocação às nossas reminiscências. A
alternância entre imagens de fotografias e de ilustrações com imagens ‘reais’. A
alegoria Transitamos entre a ficção e a realidade com conforto.
Tomadas
de cima para baixo, as cenas passeiam com nossos olhos que se deslocam de 180º
a 360º por pilhas de caixas, escadarias, elevadores, janelas, torres... Há
contrastes entre objetos miúdos (frasco de perfume, livro de poesia) e os gigantescos
(o plano inclinado, as escadas do hotel). As personagens nos olham fixa e
vagamente. Livros, enfeites decorativos, bolos confeitados, armas, são também
personagens. E ainda há uma exuberância de cores que beiram ao exagero. No
fundo, uma delicada crítica à barbárie contemporânea, aos excessos e à
decadência do mundo capitalista. Vazio seria o que vivemos hoje?
Metalinguagem,
verossimilhança, ficção, juntas, numa comédia que é também um drama. E a
belíssima homenagem ao escritor austríaco Stefan Sweig, um dos mais consagrados
dos anos 20/40. Vale dizer que o roteiro do filme foi criado a partir de
histórias de Sweig, que morou no Brasil no último ano da sua vida. Logo nas
primeiras cenas do filme, quando um escritor (Tom Wilkinson) declara que a
melhor parte de escrever como ofício é não se preocupar nem buscar histórias,
porque elas chegam naturalmente a ele, notamos uma referência à obra Coração impaciente, de Sweig. Também
percebemos que no filme há elementos que são da vida dele: a retirada para as
montanhas, a saída para um país da América do Sul, como se tivesse antecipado a
fuga dos judeus da Europa.
A
história é protagonizada por um escritor que se hospeda no hotel e presencia a
decadência de um edifício e de uma era (o ocidente em declínio?). Qualquer
semelhança não é mera coincidência. Essa história é contada pelo enigmático Mr.
Moustafa (interpretado pelo excelente F. Murray Abraham).
A
poesia, além do perfume, é uma das paixões do concierge M. Gustave (vivido brilhantemente pelo inglês Ralph
Fiennes). Nas palavras de seu assistente Zero (encenado por Tony Revolori), ele
é: um lampejo de civilização no matadouro bárbaro que conhecemos como
humanidade.
Gustave
é a metáfora da poesia, da recriação, da paixão pela vida e pelas pessoas. E
uma das coisas que este filme nos provoca é o desejo de olharmos as pessoas, de
lermos e ouvirmos poesia, de sermos solidários. A vida não é somente feita de
ganâncias, disputas, interesses. É também povoada de delicadezas, como um
jantar para escutar uma longa história de um misterioso dono de um hotel
decadente. Acima de tudo, o filme nos brinda com histórias, para ver, ler,
escutar e sentir. E nos brinda com muitas pessoas que parecem ter chegado de um
livro de histórias e nos convidam a entrar que a porta está aberta para a
ficção.
Imagens do filme veiculadas na internet