Meu encontro com O Gato
Ninfa
Parreiras
Li O Gato pela primeira vez em 2011. Manhã
de poucos ruídos. Estava organizando a coletânea Contos e poemas para ler na escola, para a editora Objetiva, a
pedido do meu saudoso amigo Bartolomeu.
Ele abriu
o computador e O Gato chegou miúdo, miava
baixinho: história para ser publicada
sozinha em livro, nas suas palavras. Lembro-me que era um texto metafórico,
de muitas imagens e poucas palavras. Uma linha, muitas vidas. Um enamoramento
de gato e lua. A vida a escorrer pelos fios da noite. A solidão a visitar rotineiramente
aquele que compõe literatura.
Com a
sua partida em janeiro de 2012, escaparam-me lembranças de seus textos
inéditos. Quem parte, leva parte de nós. Mutilados, ficamos órfãos de palavras,
inundados em silêncio indizível. Assim tem sido comigo.
Em contato
com a família, procuramos no computador dele se havia textos inéditos que
pudessem compor a obra Contos e poemas
para ler na escola, ainda não acabada. Abrir aquele computador sem a
presença do seu escritor doeu fundo.
Algo
tão sagrado esperar que texto ia ser aberto, lido. Ou guardado em gavetas de
dormir. Havia um ritual de lermos, conversarmos, silenciarmos. Um dia trazia às
vezes um texto pequeno. Outras vezes, páginas e páginas em versos. E houve dias
que ficávamos na prosa solta: comidas, temperos, viagens. Num tempo capturado em
cumplicidade e olhares.
Com a
ajuda da Juliana, tomamos coragem e descobrimos O Gato logo ali na área de trabalho, se oferecendo, miando para ser
redescoberto. Reli o conto e percebia que havia ganhado algumas palavras e
mantinha a polifonia escutada no primeiro encontro. Uma beleza de texto! Era uma
despedida e eu só pude perceber isso depois que meu amigo partiu. Como nos
cegamos ao dourado do outono, ao calor do verão... A cegueira pode ser boa
companhia quando nos despedimos com dor de quem admiramos!
Maria
Alexandre, das Paulinas, havia comentado comigo que o poeta a prometera um
texto a ser publicado. Para fazer companhia ao A árvore. Seria O Gato? Muitas
perguntas e longa ausência.
O texto
foi para lá, aos cuidados da Goretti, publicado em belas ilustrações de Anelise Zimmermann,
projeto gráfico esmerado dela e do André Neves. Não sei se Bartolomeu virou uma estrela,
não sei se nos lê de onde está. Não sei por onde anda. Sei que fiquei
satisfeita em ver O Gato miando alto
para os leitores e reforçando o lirismo e a delicadeza de uma obra imortal.
Capa:
O Gato, Bartolomeu Campos de Queirós, ilustrações Anelise Zimmermann, editora
Paulinas