Ninfa Parreiras
A fotografia é uma palavra arrumada do lado de outra. A
imagem planejada, o foco num detalhe, a ampliação da claridade, brincar com o
zoom... É um polir a paisagem. Um lustre na cena.
Gosto de fotografar: viagens, pessoas, paisagens, objetos,
comidas, poeira, fumaça, coisas que o mar devolve. Meu pai tinha uma câmera que
herdei: com uma sanfona em couro que abre a objetiva. Ela me acompanhou em viagens
da adolescência para Ouro Preto, Caraça. Fazia sucesso! Hoje ela enfeita minha
cristaleira.
Ainda fotografo viagens, aprecio coisas aparentemente sem
importância: lodo, folha caída ao chão, escadas, telhados, pontes, gente
desconhecida, janelas, comidas de feiras, quinquilharias, riscos lilás no
infinito. Volto com a mala cheia de imagens, de palavras, de coisas não ditas.
Quase nunca sei o que fazer com as fotos: algumas vão para
porta retratos, poucas envio aos amigos, com outras escrevo uns versos no blog.
Tenho fotos guardadas: em papel, em arquivos digitais. Bom reencontrá-las,
passear os olhos pelos lugares visitados.
Reparo que hoje as pessoas gostam de fotografar as comidas,
as roupas, cada sorriso aberto na praia. Postam imediatamente em redes sociais,
compartilham. O vivido é dividido com multidões. O tempo seria suficiente para
revelar os negativos? Para secar o papel? Selecionar as nítidas expressões? Por
que as pessoas não selecionam as melhores fotos? Poucas e belas. Postam tudo,
mostram tudo, contam tudo.
A arte não está em tudo. A beleza está em poucas coisas.
Onde estão as entrelinhas das fotos? As ambiguidades? As metáforas?
As coisas sentidas, sem palavras? Aquela foto que te surpreende pela novidade? Ou
aquela que te faz calar de tanta emoção? Emoção pelo vazio. Pela coisa pequena.
Pelo detalhe. Da vida.
foto: arquivo pessoal, inverno 2013, pelos becos de Veneza.
foto: arquivo pessoal, inverno 2013, pelos becos de Veneza.