Thomas Hirschhorn em exposição no Inhotim Brumadinho, MG
Ninfa Parreiras
O que poderia caracterizar nossos hábitos contemporâneos? Embalagens de mudança? Papelão? Fitas embaladoras? Aquelas adesivas que são capazes de lacrar os embrulhos. E de criar cicatrizes onde as colamos. Somos seres transitórios, em permanentes mudanças. Deslocamo-nos, embalamos nossos pertences, nossos sonhos. E o que é desnecessário também. Colamos nossas imagens em redes sociais. Pregamos e tiramos numa rapidez que um piscar de olhos não acompanha.Consumimos o que está à venda: produtos fabricados em série, com identidades genéricas. Produtos de pouca valia, de qualidade baixa: de 0,99; de 1,99; de 9,99... Descartamos, compramos, jogamos fora. São os verbos que marcam nossa vida atual. Pouco valor tem o objeto usado, o antigo, o que caiu de moda. Trocamos de aparelhos celulares, de computadores, em curtos intervalos de tempo. Somos obrigados a nos atualizar. Por que?
As fitas que colam as embalagens se configuram como elementos líquidos, de uma vida em estado provisório, em ampla liquidez. Ao colar um objeto, elas também os destroem.
O artista suíço, residente em Paris, Thomas Hirschhorn, criou a exposição (Restore now, de 2006) que está numa das galerias do Inhotim para visitação. Ao mesclar fotos de pessoas mutiladas (são pesadas!) com obras da filosofia, da literatura, da arte e da sociologia, ele nos confronta com o lixo excessivo que produzimos. Com produtos que consumimos e não digerimos. Somos bonecos, ou melhor, somos fragmentos engessados.
Podemos portar ferramentas (serrotes, facão, tesoura e livros) e fazer uma revolução. Há livros colados, sugeridos como leitura. Encontrei ali exemplares raros de muitos estudiosos, os quais admiro. Em diferentes línguas: português, espanhol, inglês...

Há uma diversidade de ferramentas que podem (re)construir o mundo que vivemos: desde obras para serem lidas a instrumentos de atividades artesanais, como um martelo, uma pua, um machado. Há muito que lavrar, que roçar, que cortar, que picar, que ler, nesta nossa vida recheada de excessos. Colocar as mãos naquilo que vivemos caracteriza um modo de vida mais artesanal, como um pão feito em casa, uma roupa costurada com agulha manual, uma planta cultivada no jardim.
A leitura de obras literárias e filosóficas nos trazem um desconforto parecido ao da exposição de Hirschorn. Elas nos trazem cicatrizes, pois mexem em zonas sagradas do nosso mundo interno e da nossa pele.
Pregos marcam presença nesta instalação que traz uma advertência sobre as cenas de mutilação (muitas delas publicadas em jornais e exibidas na televisão, sem censura). Aliás, precisamos da cesura, do corte. Mais do que nunca, este mundo nos exige saber cortar, saber limpar, saber escolher, em relação ao que usamos, ao que vemos, ao que postamos, às pessoas com as quais nos encontramos.
fotos: site do Inhotim, julho 2013
visite: http://www.inhotim.org.br/index.php/arte/artista/view/170